Nacionalidade Brasileira e Processo de Opção de Nacionalidade

A Nacionalidade é um Direito Fundamental, desde 1948, quando foi inserida na Declaração Universal dos Direitos dos Homens, em seu artigo XV. A importância da Nacionalidade está enraizada na história e criação dos Estados Modernos e não é à toa. É esse direito que garante o exercício de cidadania e o sentimento de unidade entre os cidadãos de um país.

O conceito de Nacionalidade, de acordo com o teórico Pedro Lenza*, é o vínculo jurídico-político que liga um indivíduo a determinado Estado para que faça parte do povo desse Estado e, consequentemente, para que desfrute de direitos e se submeta a obrigações desse Estado.

Nacionalidade Primária

Nacionalidade primária é aquela que não é escolhida, mas imposta pelo Estado, no nascimento. Importa observar que cada país estabelece a forma que se dá essa nacionalidade podendo ser utilizado o critério ius solis ou ius sanguinis. No primeiro caso, a nacionalidade é pelo “solo”, ou seja, pela territorialidade. O fator determinante é o local de nascimento. Já no segundo caso, o critério adotado privilegia a origem ou ascendência do indivíduo.

Por isso, muitos descendentes de italianos no Brasil possuem a cidadania primária brasileira (por terem nascido aqui) e a cidadania primária italiana, já que a legislação do país europeu privilegia o ius sanguinis, que é o critério “sanguíneo”. Assim, nesses casos, o descendente de italianos se beneficia dos dois critérios, um em cada país, apenas comprovando o vínculo hereditário, mesmo sem ter sequer viajado à Itália, uma única vez.

O critério sanguíneo é comum entre as nações que tiveram fortes períodos de emigração. Já o critério territorial é o mais utilizado pelos países que receberam muitos imigrantes na sua história, como é o caso do Brasil – que utiliza o critério misto, como veremos mais adiante.

Nacionalidade Secundária

Se a nacionalidade primária nasce da imposição do Estado, a secundária é fruto de vontade do indivíduo. Se dá pela expressão da vontade posterior. Por exemplo, um estrangeiro que escolheu morar no Brasil. Aí é o caso de nacionalidade secundária, normalmente obtida pela naturalização.

O que diz a lei e a Constituição brasileira?

Sobre a nacionalidade secundária, o artigo 12 da Constituição, em seus incisos II, prevê as possibilidades de naturalização de estrangeiros residentes no país, priorizando aqueles oriundos de países lusófonos.  A Lei de migração estabelece os critérios para naturalização e suas modalidades.

Já em relação à nacionalidade primária, esse mesmo artigo 12 da Constituição Federal, hoje, mescla os critérios sanguíneo e territorial. Vejamos:

Art. 12. São brasileiros:

I – natos (primária)

  1. a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país; (critério ius solis)
  2. b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil; (critério ius sanguini)
  3. c) os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira; (critério ius sanguini)

 

O primeiro item do inciso I privilegia o local do território para a nacionalidade. Portanto, qualquer pessoa nascida no Brasil tem direito à nacionalidade brasileira. Já o item “b” permite que os filhos de brasileiros nascidos no exterior durante a prestação de serviços de pai ou mãe brasileiros à nação. Essa costuma ser a hipótese de filhos de diplomatas, por exemplo.

Por fim, o caso de registro em repartição competente que trata o item “c” foi inserido a partir de uma emenda constitucional, no ano de 2007, motivada pela pressão de brasileiros emigrantes, cujos filhos formavam o movimento “brasileirinhos apátridas”. Antes, só era possível a nacionalidade dos brasileiros que nascessem no exterior e viessem morar no país, posteriormente. Com a possibilidade de registro perante a autoridade consular, a partir daquele ano, o problema de muitos brasileiros imigrantes que não tinham a nacionalidade reconhecida no país de residência foi solucionado. Assim, a partir da emenda, eles podem ser considerados brasileiros pelo critério sanguíneo.

Processo de opção de nacionalidade brasileira

Apesar disso, há muitos jovens brasileiros nascidos antes da Emenda Constitucional (2007) e que retornaram ao Brasil e não têm a nacionalidade brasileira. Há também casos de pais de muitos brasileiros nascidos no exterior não fazem o registro perante as autoridades consulares. Seja porque já gozam de outra nacionalidade, seja porque não pretendem residir no Brasil, naquele momento. Então, nessas hipóteses, é cabível a ação judicial de opção pela nacionalidade brasileira após completarem a maioridade, desde que residam Brasil, com intuito de fixar-se aqui.

Não é possível fazer a opção pela nacionalidade em cartório, o processo é judicial e deve tramitar na vara federal competente, de acordo com a residência do litigante. Apesar da necessidade de acionar o judiciário, se bem comprovado, o trâmite costuma ser célere e garante o exercício pleno da cidadania.

* Lenza, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 25a Ed. 2021.

Autora: Marcela Cataldi Cipolla – Advogada
Giannella Cataldi Sociedade de Advocacia

TNU vai julgar se tempo de anistia política pode ser computado no INSS

Processo que veio do TRF3, e está em trâmite na TNU – Turma Nacional de Uniformização, pleiteia que o período em que o segurado foi declarado como anistiado político seja considerado tempo de serviço junto ao INSS

A Lei da Anistia é de 1979, mas a constituição de 1988, em seu Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, assegura o direito aos que tiveram suas liberdades cerceadas, em decorrência de motivação exclusivamente política, de 1946 até a data da promulgação da Constituição – isto é, incluindo o período da ditadura militar. O direito está ainda previsto na Lei n. 10.559/02, que alterou o ADCT.

Apesar da previsão expressa na norma, o segurado do INSS, em sede administrativa, não teve reconhecido o período de anistiado político como tempo de serviço para fins previdenciários. Mas, ao ajuizar ação federal, a sentença de primeiro grau foi favorável sob o fundamento de que “O próprio Ministério da Previdência Social adotou esse entendimento, ao aprovar o Parecer MPS/CJ n. 01/2007 – emitido mediante provocação do Presidente da Comissão de Anistia Política do Ministério da Justiça – e determinar sua publicação para os fins previstos no art. 42 da Lei Complementar n. 73/93”.

De acordo com o Juízo originário: “(…)o anistiado político, que teve reconhecido seu direito à reparação econômica, pelo Ministério da Justiça, faz jus também à contagem de tempo, no âmbito do Regime Geral de Previdência Social, do período de afastamento de suas atividades profissionais, em virtude dos atos de exceção de natureza política.”

No entanto, em segunda instância, a 7ª Turma Recursal do JEF/SP acolheu os argumentos do INSS e reformou a sentença para excluir os períodos de anistia. O Acórdão de Relatoria do MM. Juiz Federal Douglas Camarinha Gonzales dispõe que não é possível a acumulação da aposentadoria a ser paga pela Autarquia Previdenciária com a prestação mensal indenizatória que o segurado recebe da União em decorrência de sua condição de anistiado político, sob o argumento de que implicaria em cumulação de prestações com o mesmo fundamento fático.

Tal decisão difere de outros julgados de Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais de outras regiões, além de contrariar entendimento do Pleno do STF no julgamento do RE 553.710, em sede de Repercussão Geral, que defende que o instituto da anistia política, previsto no art. 8º do ADCT, deve ser interpretado de forma mais ampla possível visando a assegurar ao anistiado todos os benefícios que decorreriam do regular exercício do cargo/labor.

Em razão das divergências sobre a matéria, foi protocolado Pedido de Uniformização Nacional de Jurisprudência perante a TNU (Turma Nacional de Uniformização), tal recurso já foi admitido e, atualmente, aguarda distribuição a um dos magistrados do colegiado para relatoria.

Artigo: Por Viviane Camarinha Barbosa, advogada previdenciária do Escritório Giannella Cataldi

28 DE FEVEREIRO – DIA MUNDIAL DE COMBATE ÀS LER/DORT

A Organização Mundial da Saúde (OMS) instituiu o Dia Internacional de Prevenção às LER/DORT, celebrado anualmente em 28 de fevereiro, visando alertar aos trabalhadores, empregadores e as autoridades a respeito da necessidade de adotar cuidados e medidas preventivas contra lesões associadas à repetição de movimentos.

A sigla LERLesão por Esforço Repetitivo compreende um conjunto de doenças causadas pela realização de atividades contínuas e repetitivas. DORTDistúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho são  doenças causadas por movimentos repetitivos durante o desempenho do labor. Ambos os problemas levam a lesões nas estruturas dos tendões, músculos e ligamentos, que são consequências do esforço físico em excesso, má postura, estresse e condições desfavoráveis de trabalho.

A LER e DORT são doenças reconhecidas por meio de ocorrência de vários sintomas, de aparecimento quase sempre em estágio avançado, com lesões geralmente nos membros superiores, acarretando dor, sensação de peso e fadiga. Algumas dessas acometem os trabalhadores com lesões no ombro e as inflamações em articulações e nos tecidos que cobrem os tendões. Em muitas situações ocorrem degeneração de tecidos, atingindo inclusive os membros superiores, região escapular e pescoço.

Na grande maioria das vezes, essas doenças estão relacionadas ao trabalho e afetam diretamente a qualidade de vida da pessoa, além de prejudicar a sua produtividade laboral e o seu comprometimento profissional e financeiro. E, geralmente, são responsáveis pela maior parte dos afastamentos ao trabalho e representam custos com pagamentos de indenizações, tratamentos e processos de reintegração à ocupação.

Entre esses distúrbios, o diagnóstico da LER[1] é essencialmente clínico e baseia-se na história clínico-ocupacional, no exame físico detalhado, nos exames complementares quando justificados e na análise das condições de trabalho responsáveis pelo aparecimento da lesão.

No primeiro estágio, o trabalhador tem uma sensação de peso e desconforto no membro afetado, com dor espontânea localizada nos membros superiores ou cintura escapular, às vezes com pontadas que aparecem em caráter ocasional, durante a jornada de trabalho, e não interferem na produtividade. A dor pode se manifestar durante o exame clínico, quando comprimida a massa muscular envolvida.

No segundo estágio, a dor é mais persistente e mais intensa e aparece durante a jornada de trabalho de modo intermitente. É tolerável e permite o desempenho da atividade profissional, mas já com reconhecida redução da produtividade nos períodos de maiores esforços.

Nessa segunda fase, a dor torna-se mais localizada e pode estar acompanhada de sensação de formigamento e calor, além de leves distúrbios de sensibilidade; mesmo com o repouso, a dor pode aparecer ocasionalmente quando fora do trabalho, durante as atividades domésticas. Pode ser observada uma pequena nodulação acompanhando a bainha dos músculos envolvidos.

Na terceira fase da doença, a dor torna-se mais persistente, é mais forte, tem irradiação mais definida. O repouso em geral só atenua a intensidade da dor, nem sempre a fazendo desaparecer por completo, persistindo mesmo fora do trabalho. É frequente a perda da força muscular. Nesse período há sensível redução da produtividade, quando não há impossibilidade de executar a função. Os trabalhos domésticos são limitados ao mínimo e muitas vezes não são executados. Os sinais clínicos estão presentes. O edema é frequente e recorrente, as alterações da sensibilidade estão quase sempre presentes, especialmente nos paroxismos dolorosos e acompanhados por manifestações vagas, como palidez e hiperemia e sudorese da mão.

No último estágio da LER– Grau IV – está presente a dor forte, contínua e muitas vezes insuportável, levando o trabalhador a intenso sofrimento. Os movimentos aumentam a dor que, em geral, se estende em todo membro afetado. A perda de força e a perda do controle dos movimentos se fazem constantes. O edema é persistente e, nesse caso, aparecem deformidades, provavelmente por processos fibróticos, reduzindo a circulação linfática de retorno. As atrofias, sobretudo dos dedos, são comuns e atribuídas ao desuso.

Nas fases mais avançadas, a capacidade de trabalho é anulada e a invalidez se caracteriza pela impossibilidade de um trabalho produtivo regular. Os atos da vida diária são também altamente prejudicados. Nesse estágio são comuns às alterações psicológicas e a experiência evidencia que, a maioria dos trabalhadores portadores de LER desconhece a origem da doença.

Algumas empresas e serviços de saúde ocupacional desenvolvem atividades coletivas, paralelas ao tratamento, com Grupos de Portadores de LER[2] e têm obtido bons resultados, permitindo a socialização da vivência da doença e da incapacidade de vida social, a peregrinação para o diagnóstico e tratamento, os temores e dúvidas sobre o futuro. Além da repercussão favorável no tratamento, essa atividade coletiva ajuda a preparar o paciente para seu retorno ao trabalho.

É importante destacar a existência do vínculo de causa-efeito entre a doença adquirida no exercício do labor e as condições desfavoráveis do trabalho.

Efetivamente, as condições específicas de trabalho (gestos, posições, movimentos, esforços, tensões, ritmo, carga de trabalho, etc.) podem afirmar ou excluir o vínculo de causalidade da lesão com o trabalho. Nesse sentido, nenhum exame laboratorial subsidiário pode concorrer para a elucidação dessa relação de causalidade com o trabalho.

A CLT- Consolidação das Leis do Trabalho, em seu capítulo V, estabelece normas de Segurança e Medicina do Trabalho que determinam regras específicas, inclusive a criação de Normas Regulamentadoras (NRs) que tratam de algumas atividades ou situações peculiares. As NRs estabelecem obrigações, direitos e deveres a serem cumpridos por empregadores e trabalhadores com o objetivo de garantir trabalho seguro e sadio, prevenindo a ocorrência de doenças e acidentes de trabalho.

As primeiras Normas Regulamentadoras foram publicadas por meio da Portaria nº 3214/1978 do Ministério do Trabalho, e ao longo do tempo, outras NRs foram criadas com o objetivo de assegurar a prevenção da segurança e saúde de trabalhadores em atividades laborais e segmentos econômicos específicos.

No caso da NR – 17 criada pela Portaria MTb n.º 3.214, de 08 de junho de 1978, com alterações posteriores, trata de ERGONOMIA, ou seja, estabelece regras e condições de trabalho visando atividades relacionadas ao levantamento, ao transporte e descarga de materiais, ao mobiliário, aos equipamentos e às condições ambientais do posto de trabalho, além da própria organização do trabalho, sempre visando à saúde física e mental dos trabalhadores.

Infelizmente as normas previstas na CLT não são suficientes para reduzir a LER/DORT. Num levantamento do Ministério da Saúde[3] publicado em abril de 2019 mostra que, em 10 anos, as duas doenças representam 67.599 casos entre os trabalhadores do país. Esse índice aumentou 184% no mesmo período.

            A constatação é do estudo Saúde Brasil 2018, do Ministério da Saúde[4]. Utilizando dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), o levantamento aponta que, entre os anos de 2007 e 2016, 67.599 casos de LER/DORT foram registrados.  Neste período, o total de notificações cresceu 184%, passando de 3.212 casos, em 2007, para 9.122 em 2016.

Os dados, que constam no ‘Panorama de Doenças Crônicas Relacionadas ao Trabalho no Brasil’[5], indicam aumento na exposição de trabalhadores a fatores de risco, que podem ocasionar incapacidade funcional. O estudo apontou, também, que esses problemas foram mais recorrentes em trabalhadores do gênero feminino (51,7%), entre 40 e 49 anos (33,6%), e em indivíduos com ensino médio completo (32,7%). A região que registrou o maior número de casos foi o Sudeste, com 58,4% do total de notificações do país no período. Em 2016, os estados que apresentaram os maiores coeficientes de incidência foram Mato Grosso do Sul, São Paulo e Amazonas.

Desde março de 2020, o Brasil enfrenta a pandemia provocada pelo novo coronavírus, alterando sobremaneira a forma de execução das atividades laborais.                     

Em razão da necessidade do distanciamento social por conta da COVID-19, o home office, uma forma de teletrabalho, passou a ser realizado de forma geral e permanente, para prestação de serviços e execução das atividades profissionais.

Muitas vezes o ambiente residencial tem sido inadequado à realização de tarefas como, por exemplo, a digitação por várias horas em cadeira inadequada. Assim, as condições adversas para realização do trabalho, cumulada como esgotamento mental em decorrência isolamento social, desemprego e da crise econômica que o país se encontra, aumentaram as doenças físicas e mentais e, com certeza, aumentarão a incidências da LER/DORT.

            É necessária uma conscientização dos empregadores, trabalhadores e gestores públicos para criar condições de ambiência laboral sadia, com redução de doenças como a LER/DORT intimamente relacionada com a organização do trabalho.

São notórios os prejuízos causados pelas doenças como a LER/DORT, um enorme problema para a saúde pública, visto que o Estado passa a gastar valores enormes em indenizações, além do alto custo do tratamento médico. É um problema para o empregador, que na maioria das vezes é condenado a pagar indenizações e tratamentos médicos ao trabalhador ou trabalhadora. E é um problema muito maior para as pessoas que adoecem, que além de adquirir a incapacidade para o trabalho e para suas atividades pessoais, ainda sofrem com a redução de sua remuneração. Certamente estas pessoas estão ou ainda serão acometidas por adoecimento físico e mental.   

Referências:

[1] Ministério do Trabalho. LER – Normas Técnicas para Avaliação de Incapacidade. Brasília. Ed.1991, pág.13.

2 Organização Pan-Americana da Saúde/Brasil – DOENÇAS RELACIONADAS AO TRABALHO – MANUAL DE PROCEDIMENTOS PARA OS SERVIÇOS DA SAÚDE. BRASILIA/DF -2001.

https://www.paho.org/pt/search/r?keys=DOEN%C3%87AS+RELACIONADAS+AO+TRABALHO+LER%2FDORT

3 Estudo publicado em 30/04/2019. https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/ler-e-dort-sao-as-doencas-que-mais-acometem-os-trabalhadores-aponta-estudo

4 Idem item anterior.

5https://www.anamt.org.br/portal/2019/04/30/ler-e-dort-sao-as-doencas-que-mais-acometem-os-trabalhadores-aponta-estudo/

MARIA JOSÉ GIANNELLA CATALDI Advogada, professora, mestre e doutora em Direito do Trabalho pela PUC-SP. Autora do livro “O Stress no Meio Ambiente de Trabalho”, 4ª. Ed.-Revista dos Tribunais.

 

 

 

 

 

 

A PANDEMIA E AS MUDANÇAS NAS RELAÇÕES DO TRABALHO

MARIA JOSÉ GIANNELLA CATALDI

Desde 2016 o Brasil vem passando por períodos de instabilidades políticas, com consequências na saúde econômica do país. Obviamente quem mais sofre durante as crises são as pessoas que sobrevivem à custa de sua força de trabalho.

A pandemia provocada pelo novo coronavírus mudou completamente a rotina das pessoas, alterou a relação entre profissionais, afetou a confiança entre os empregados e aumentou sobremaneira as doenças mentais decorrentes do ambiente laboral.

Em 11 de março de 2020, Tedros Adhanom, o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS)[1] declarou que a organização elevou ao estado de pandemia, esclarecendo que naquela data já tinha mais de 115 países com casos registrados da doença causada pelo novo coronavírus (SARS- CoV2).

No Brasil, em 06 de fevereiro de 2020, o governo federal sancionou a lei nº 13.979, que dispõe sobre as medidas de enfrentamento de emergência de saúde pública decorrente do coronavírus e o Decreto Legislativo nº 6 de 2020 que trata sobre a ocorrência do estado de calamidade pública, com efeitos até 31 de dezembro de 2020.

A partir do dia 15 de março de 2020, foi constatada a primeira morte por COVID-19 em São Paulo e o prefeito decretou estado de emergência. Assim, o panorama da cidade mudou, pois durante o período emergencial é possível a compra de produtos e a contratação de serviços sem licitação. Além dessas medidas, também foi determinado a suspensão do rodízio de veículos, fechamento de museus, cinemas e foram cancelados eventos culturais, além da antecipação das férias escolares. Esses procedimentos foram necessários para garantir o distanciamento social como forma de conter a disseminação da nova doença.

E como um efeito em cascata, os demais estados e cidades brasileiras passaram a tomar medidas restritivas e outras ações de combate e prevenção à COVID19.

Nesse sentido, a Medida Provisória nº 927, de 22 de março de 2020, dispôs sobre alguns procedimentos no âmbito trabalhista de enfrentamento do estado de calamidade pública e da emergência de saúde pública.

Um ponto importante estabelecido na referida Medida Provisória, diz respeito ao artigo 29, que trata dos casos de contaminação pelo coronavírus (COVID-19), que em regra geral, não seriam considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal.

Posteriormente, por  decisão do STF foi estabelecido que cabe ao empregado o ônus de comprovar que sua doença é relacionada ao trabalho oneroso, e, eventual sequela de incapacidade para o trabalho do empregado deverá ser analisada através de perícia médica, ou mesmo pelo INSS, como ocorre nas demais situações que suportam o pagamento de indenização ou de benefício ocupacional, conforme o caso.

A contaminação do coronavírus por qualquer pessoa poderá ocorrer em qualquer ambiente laboral ou não, seja em casa trabalhando em regime de home office, no deslocamento residência para o trabalho e vice-versa, nos estabelecimentos comerciais relacionados ou não às atividades essenciais e também no estabelecimento da empresa onde trabalha.

A Medida Provisória nº 927 também trouxe algumas possibilidades para a manutenção do contrato de trabalho e de renda, tais como: o teletrabalho; antecipação de férias coletivas ou férias individuais; banco de horas e a suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho.

O teletrabalho foi um dos temas mais importantes na referida Medida Provisória, pois, mesmo tendo a lei nº 13.467 de 13 de julho de 2017 introduzido um novo capítulo na CLT dedicado especificamente a essa modalidade de trabalho, a partir de março de 2020, para o enfrentamento da pandemia, muitas empresas,  escritórios de advocacia e muitos outros prestadores de serviços, além de professores, passaram a adotar o trabalho remoto, realizado de casa para evitar o contato pessoal e manter o  distanciamento social.

A Medida Provisória nº 927 também dispôs sobre a modalidade de teletrabalho, que deve constar expressamente no contrato individual de trabalho, podendo o empregador notificar o trabalhador com antecedência mínima de quarenta e oito horas, por escrito ou por meio eletrônico.

Também a referida Medida Provisória estabeleceu regras sobre a aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e de infraestrutura para prestação de serviços à distância. Ainda, fixou a regra de que na hipótese de o empregador não fornecer meios para a execução das atividades pelo empregado, será computado como tempo de trabalho à disposição do empregador.

É importante observar, que  a Medida Provisória nº 927 teve seu prazo inicial de vigência de 60 dias e foi prorrogado pelo Congresso Nacional através do Ato 32/2020, que garantiu o acréscimo de outros 60 dias, sendo que o seu termo final ocorreu em 19 de julho de 2020, sem ter sido convertida em lei.

Com efeito, operou-se a caducidade da Medida Provisória nº 927, de modo que para regular o trabalho em home office é possível utilizar a negociação coletiva para estabelecer questões sobre o trabalho telepresencial. Dessa forma, através de Convenção Coletiva poderá regulamentar sobre esses assuntos.

Outro dispositivo legal estabelecido para enfrentamento da pandemia foi a Medida Provisória nº 936, editada em 01 de abril de 2020 e que foi convertida na lei 14.020, de 06 de julho de 2020. Essas normas criaram o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, possibilitando às empresas realizar acordos de redução proporcional de jornada de trabalho e de salários e de suspensão de contratos de trabalho até 30 de dezembro de 2020.

Até a presente data permanece a pandemia do novo coronavírus em todo território nacional, o Brasil teve mais de 160.000 mortes e 5.545.705 (até 02 de novembro de 2020) e, muitas questões ainda não foram resolvidas, tais como: Qual o cálculo para pagamento de 13º salários dos contratos suspensos? Como se calcula o pagamento de 1/3 relativo ao abono de férias dos contratos que foram suspensos? Como manter os contratos de trabalho para empregados acima de 60 anos ou com doenças crônicas, que devem permanecer em isolamento domiciliar e estão com o contrato suspenso?  

A pandemia também trouxe muitas consequências na saúde mental das pessoas, em especial daqueles profissionais que perderam o emprego, ou que ainda têm emprego ou trabalho e precisam mantê-los para subsistência familiar.

Não podemos esquecer que a  vida cotidiana foi completamente alterada, a relação trabalho e convivência familiar passou a ter nova estrutura, eis que a maioria dos profissionais passou a exercer suas atividades de forma remota, enfrentando alguns novos dilemas, como por exemplo, a divisão de espaço e tempo com os filhos, marido, pais e demais membros da casa.

Na medida em que passou a existir a desconfiança de perder o emprego ou mesmo o trabalho; o pânico de contrair o novo coronavírus, ou ainda o medo de espalhar a doença aos seus familiares, pode ocorrer disfunções fisiológicas e psiquiátricas, por exemplo, o aumento da liberação de cortisol, hormônio do estresse, comprometendo a saúde mental das pessoas.

Os profissionais da área da saúde, em especial aqueles que aturam na linha de frente desde o início da pandemia, tiveram enormes consequências na saúde mental. Na medida em que recebiam as pessoas contaminadas e direcionando esses pacientes para os tratamentos adequados, nas unidades de saúde, enfrentaram jornadas ininterruptas e atividades intensas, além da complexidade dos procedimentos, falta de recursos pessoais e materiais, bem como baixa remuneração.

Em matéria para a CNN Brasil[2], um neurologista infantil e pediatra de São Paulo, que pediu para não ser identificado, revelou que teve uma séria crise de pânico ao contrair o novo coronavírus e viu seus familiares também se infectarem. Discorre esse médico, que entre maio e junho/2020, ele teve que lutar contra a doença e ser o médico da mulher, dos dois filhos, da sogra e de dois avós. Foi um estresse intenso que deixou marcas, não só físicas. Só não foi pior porque a mulher, psiquiatra, o ajudou a manter o equilíbrio.

Esse e outros depoimentos foram e ainda são frequentes. E, para avaliar o quadro de estresse dos profissionais de saúde, pesquisadores da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo)[3] estão selecionando 500 médicos da linha de frente contra a COVID-19 para conhecer o impacto psicológico, entre eles a incidência da síndrome de burn-out.

Vale repisar, que a síndrome de burn-out  é caracterizada por sintomas como dores musculares, irritabilidade, esgotamento físico e mental, subdividida em três dimensões: exaustão emocional, despersonalização e baixo nível de realização profissional.

Em apenas uma amostra desse estudo na Escola Paulista de Enfermagem da Universidade Federal de São Paulo (EPE/Unifesp) – Campus São Paulo, ficou constatado que na unidade de terapia intensiva (UTI), 14,3% de 91 participantes apresentaram a sintomatologia da doença de burn-out.[4]

O estresse provocado pela pandemia tem se alongado e se tornado um grande desafio aos profissionais de saúde. O cenário deverá prevalecer até o desenvolvimento e distribuição em massa de vacina ou remédios específicos para o enfrentamento da nova moléstia e, certamente, o impacto na saúde mental de trabalhadores da área da saúde será marcante.

O novo coronavírus não trouxe consequências apenas na saúde mental dos profissionais da área de saúde, também mudou a rotina de outros trabalhadores. Todas as pessoas passaram a ter a necessidade de distanciamento social e muitos se viram obrigados a utilizar plataformas digitais para o estudo, trabalho remoto ou home office. Ou seja, nessa época, foi fundamental a adaptação ou a criação tecnológica de um ambiente on-line, permitindo a comunicação entre pessoas, que passou a ser usadas para trabalho, lazer e entretenimento.

Essa nova forma de comunicação, especialmente para o exercício das atividades   profissionais, com exagero de responsabilidades e tensões acumuladas incorreu na    fadiga, em razão das pessoas ficarem em jornadas descomunais na frente do computador, ou mesmo do celular, aumentando a ansiedade de maneira generalizada.

Tal situação evidenciou-se na medida em que, também por necessidade do distanciamento social em época de pandemia, houve drástica redução nas atividades de lazer e físicas em academia, parques, praias e demais eventos em locais externos.

             Médicos psiquiatras observaram o aumento nas queixas de pacientes sobre o excesso de reuniões on-line por videoconferência nos últimos meses. O fenômeno foi batizado de “fadiga do Zoom”, referindo-se a um dos aplicativos mais usados para essa nova forma de comunicação.

Não resta dúvidas que a pandemia de COVID-19 afetou todas as pessoas de maneira importante e, sobretudo, influenciou nas relações de trabalho e na saúde mental de todos os trabalhadores. As consequências desses impactos serão objetos de estudo dos mais diversos campos, nos próximos anos.

Uma das possíveis conclusões futuras poderá ser o incremento do estresse causado pelo abuso de novas tecnologias, como já indica alguns estudos que constataram a fadiga do Zoom.

Autor:

MARIA JOSÉ GIANNELLA CATALDI
Advogada – Giannella Cataldi Sociedade de Advogados

Fontes Consultadas – Suplementares

[1] Organização Mundial da Saúde declara pandemia de coronavírus. Agência Brasil. 11 de março de 2020. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2020-03/organizacao-mundial-da-saude-declara-pandemia-de-coronavirus .

[2] Pesquisa vai mapear o esgotamento dos médicos durante pandemia da Covid-19. 09 de ago. de 2020. CNN. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/saude/2020/08/09/pesquisa-vai-mapear-o-esgotamento-dos-medicos-durante-pandemia-da-covid-19.

[4] Pesquisa avalia o Estresse Ocupacional em médicos. Site UNIFESP. 21. de jul. de 2019. Disponível em: https://sp.unifesp.br/ultimas-noticias/pesquisa-sobre-incidencia-da-sindrome-burnout.

DIREITO À DESCONEXÃO DO TRABALHO

 Em primeiro de janeiro de 2017, a França, inovou ao incorporar em sua reforma da legislação trabalhista (também conhecida como Lei do El Khomri em referência ao sobrenome da ministra do trabalho do país, Maryam El Khomri, à época) o direito do empregado à desconexão.  A positivação desse direito ganhou repercussão mundial pelo pioneirismo.

Insta observar o contexto no qual a lei foi elaborada, advém de uma série de impactos tecnológicos que tem influenciado a vida de todas na revolução 4.0.

Além do já extenso leque de proteção dos trabalhadores daquele país, garantido pela União Europeia, mais esse direito que surgiu como resposta a um estudo de 2016 do órgão de pesquisas Éléas, especializado na qualidade de vida no trabalho e na prevenção de riscos psicossociais daquele país.

Naquele ano, foram divulgados[1] dados de que mais de um terço dos trabalhadores (37%) usavam ferramentas digitais fora do horário de trabalho, com maior proporção entre executivos (81%) e jovens entre 15 a 34 anos (76%). Apenas um em cada cinco entrevistados, o que corresponde a 22%, afirmaram que seus gestores interviam para limitar o uso dessas ferramentas digitais fora do tempo de trabalho. Ou seja, pouco menos de 80% dos gestores nãos e preocupavam com as restrições dos usos de dispositivos tecnológicos fora do horário de trabalho. Na mesma pesquisa, constatou-se que seis em cada dez trabalhadores acreditavam que deveria existir algum tipo de regulamentação nas empresas a fim de restringir o tempo de uso de dispositivos eletrônicos fora do horário de trabalho.

Ainda, foi averiguado que seis em cada dez entrevistados (59%) achavam que o digital é visto como um progresso, especialmente os jovens de 15 a 34 anos (65%), os executivos (63%) e artesãos, comerciantes e empresários (73%). Esses últimos dados são interessantes, pois apenas um pouco mais da metade consideram os avanços tecnológicos como um progresso na França. Ou seja, a outra metade não vê a tecnologia como um progresso. É surpreendente, já que, certamente, existe um avanço no sentido de desenvolvimento das técnicas. Mas os números sugerem certa insatisfação com a tecnologia pelos trabalhadores franceses.

O sentimento de “falta de progresso” é sintomático de uma sociedade que vê a evolução técnica, mas não está, necessariamente, satisfeita ou mais feliz com esses avanços.

Ainda, um em cada dez, afirmaram ter medo de seus postos de trabalho serem substituídos por máquinas, bem como 30% afirmaram que há ligação entre estresse nas relações laborais e a tecnologia.

Esses números repercutiram muito na mídia local e escancararam uma realidade que já era visível na prática, com isso, o artigo L. 2242-8 do Código do Trabalho Francês foi modificado[2].

Assim, as empresas francesas com mais de 50 funcionários, a partir daquela data, deveriam elaborar uma carta depois de consultar o Comitê Econômico e Social para definir as modalidades para o exercício do direito à desconexão, bem como a implementação, para funcionários e gerentes, de ações de treinamento e conscientização para o uso razoável de ferramentas digitais, naquele país, conforme a nova lei.

Na prática, cabe às grandes empresas, em associação com o Comitê Econômico e Social, estabelecer como se dá a fiscalização e regulamentação do direito à desconexão na França. Além disso, estão previstos treinamentos e atividades a fim de conscientizar empregados e gestores sobre o uso razoável dos dispositivos digitais. Portanto, ainda que as pequenas empresas não sejam diretamente atingidas ou que a lei não determine uma limitação objetiva, introduziu-se, pelo direito, a primeira norma no sentido de restringir o uso de eletrônicos fora do horário de trabalho.

Em decisão de 2018, ao interpretar o texto da norma, os tribunais franceses condenaram uma empresa britânica que obrigou um funcionário francês a manter o telefone ligado 24 horas por dia, para o caso de ligações de emergência. O simples fato de ter que ficar conectado fora do horário de trabalho, em caráter de sobreaviso, ainda que ele não tenha recebido qualquer ligação, foi considerado o suficiente para o pagamento de indenização em razão do direito à desconexão, conforme artigo da publicação francesa La Dépêche du Midi, a indenização chegou a 60 mil euros[3].

Outros países foram influenciados pela inovação francesa. Por exemplo, em março de 2018, o vereador do Brooklyn, Rafael L. Espinal Jr., lançou um projeto de lei que quer proibir os empregadores do setor privado na cidade de Nova York de exigir que os funcionários verifiquem correio e outras comunicações eletrônicas e respondam a eles fora do horário de trabalho.

Em Québec, no Canadá, foi apresentada também uma proposta de lei semelhante, que ficou conhecida como Bill no 1097. Há projetos em trâmite na Itália, Alemanha, Coreia do Sul, entre outros.

A repercussão da norma em tantas outras nações se deu porque o problema do uso desenfreado da tecnologia é um fenômeno global. O próprio artigo da lei francesa deixa claro que o objetivo da lei é de tutelar os períodos de descanso e o equilíbrio entre trabalho e vida privada, já que é evidente esse desequilíbrio na sociedade pós-moderna digital. Não é preciso ser especialista para verificar que há um comportamento que beira o compulsivo quanto ao uso de tecnologia, isso, é claro, não é diferente na relação de trabalho.

Portanto, o direito à desconexão, por tratar de um problema global de mau uso dos dispositivos tecnológicos e de comunicação para o trabalho, que pode se intensificar com a migração em massa de prestação de serviço presencial para a modalidade homeoffice com a pandemia de Covid-19 tende a ser um novo direito do empregado nas relações de trabalho e, consequentemente, deverá ser incorporado pelos ordenamentos jurídicos mundo afora.

Nesse sentido, merece destaque a lei francesa que não impôs um modelo homogêneo a ser seguido por todas as empresas, as de pequeno no porte, inclusive, ficaram de fora. A ideia é que cada setor tenha suas peculiaridades respeitadas. Além disso, cursos e treinamentos possuem previsão na norma laboral francesa, o que demonstra o caráter educativo, muito mais do que impositivo, do direito à desconexão do país europeu.

A lei francesa é um bom exemplo a ser seguido por outros países e por empresas para prevenção de moléstias ocupacionais psicológicas, especialmente, na vigência das orientações de distanciamento social em razão da crise sanitária da Covid – 19.

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MARCELA CATALDI CIPOLLA – ADVOGADA
Giannella Cataldi Sociedade de Advogados

[1] ÉLÉAS (França). Enquête «Pratiques numériques des actifs en France en 2016». Communiqué de Presse. Paris, França, 2016. Disponível em: http://www.eleas.fr/app/uploads/2016/10/CP-Eleas-Enqu%C3%AAte-Pratiques-num%C3%A9riques-2016.pdf. Acesso em: 20 out. 2019.

[2] “A fim de garantir que os períodos de descanso e afastamento e o equilíbrio entre trabalho e vida privada sejam respeitados, as empresas envolvidas deverão estabelecer ‘ferramentas para regular a ferramenta digital’ (…) Os procedimentos do pleno exercício pelo empregado do seu direito à desconexão e implementado pela empresa sistemas para regular o uso de ferramentas digitais, com o objetivo de garantir que os períodos de descanso e afastamento e a vida pessoal e familiar sejam respeitados” (tradução livre).

[3]LA DEPECHE DU MIDI. Droit à la Déconnexion: il Gagne 60 000 €. Toulose, França, 04 ago. 2018. Disponível em: https://www.ladepeche.fr/article/2018/08/04/2846612-droit-a-la-deconnexion-il-gagne-60-000-e.html. Acesso em: 20 out. 2019.

 

Você já ouviu falar sobre “Burnout”?

Por Rafael Freire – Psiquiatra

Burnout é um termo em inglês que pode ser traduzido como a interrupção do funcionamento de algo por falta de energia. Nos últimos tempos, tem sido utilizado para caracterizar um conjunto de fenômenos relacionados ao trabalho, capaz de causar sofrimento psíquico e físico intensos. As três principais características do quadro são:

  1. Exaustão emocional, que pode se apresentar na forma de diversos sintomas, como cansaço, fraqueza, desesperança, solidão, tristeza, raiva, impaciência, irritabilidade, preocupação, tensão, dor de cabeça, dores musculares, alteração do sono e aumento da susceptibilidade para doenças em geral.
  1. A baixa realização (insatisfação), que se apresenta principalmente como uma sensação de pouca valorização e de dificuldade para se atingir os objetivos.
  1. O distanciamento afetivo (alienação), que faz com que a pessoa se isole e sinta a presença dos outros como desagradável/ não desejada.

A carga horária excessiva, a pressão por resultados, o desgaste da relação com os colegas e o próprio ambiente hostil são alguns dos fatores que contribuem para a ocorrência desse quadro. Por outro lado, existem condições específicas do indivíduo que podem predispor a sua ocorrência e que devem ser também controladas, contribuindo para a sua prevenção.

Nos dias de hoje, em que o trabalho representa uma parte cada vez maior e mais importante das nossas vidas, é natural que um problema tão associado ao nosso dia-a-dia receba tamanha repercussão. Tal associação com o ambiente e os processos laborais costuma levar as pessoas a acreditarem que o afastamento do trabalho resolve a questão. Na realidade, a solução não é tão simples.

Na grande maioria das vezes, o afastamento não será vantajoso no médio e longo prazos, mesmo que proporcione um alívio temporário. O trabalhador afastado perde sua identidade e muitas vezes fica no “limbo” entre a condição de empregado e aposentado, sem receber salário nem benefício social. Não podemos esquecer que o trabalho, quando adequado às particularidades de cada um, exerce uma função importante em sua vida, de modo que sua falta pode trazer prejuízos ainda maiores.

Considerando todos os riscos e “armadilhas” que nos rodeiam,  é fundamental perceber a importância de fazer a nossa parte, cuidando dos fatores que dependem de nós, ou seja, com hábitos saudáveis como alimentação equilibrada, a prática de atividades físicas e atividades sociais e culturais que proporcionem ao nosso corpo e nossa mente o bem-estar necessário.

O burnout é um conjunto de situações tão diferentes e complexas, que não configura, propriamente, uma doença, mas pode evoluir e ter complicações bastante prejudiciais à saúde. Portanto, a avaliação de um profissional especializado na área é de extrema utilidade, tanto para a prevenção (identificando e apontando fatores de risco do trabalho e do empregado), como no adequado manejo da situação, indicando as soluções mais adequadas e viáveis, além do tratamento quando necessário.

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Dr. Rafael N. Freire é Psiquiatra Forense. Perito credenciado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e pela Diretoria Regional de Saúde VII.
Colaborador do NUFOR – Núcleo Forense e AMITI – Ambulatório Integrado dos Transtornos do Impulso, Instituto de Psiquiatria – Hospital das Clínicas – Faculdade de Medicina – Universidade de São Paulo.